
Vivendo e aprendendo
Buscando algumas respostas para os muitos "porques" da vida
Porque eu não dei em nada mesmo tendo tudo?
A minha psicóloga, me mandou escrever esse blog. Sim, MANDOU!
Estou há dias com esse post aberto e só tenho a primeira frase escrita. Afinal, quem vai querer ler sobre o que eu penso?
Sou uma mulher de 34 anos formada em um curso tecnólogo inútil, uma pós-graduação banal e com um MBA não finalizado. Hoje sou uma dona de casa que cuida de dois cachorros e um marido nos EUA.
Durante minha vida tive algumas situações mais complicadas ou estressantes, mas nada que valha manchetes. Cresci uma menina de classe média alta no Brasil, cheia de privilégios - que demorei muito para reconhecer - e protegida pelo poder aquisitivo do meu pai e pela pompa da minha mãe. Ahh como eu acreditei neles!
Tadinhos, tenho certeza que eles também acreditavam nas "mentiras" que contavam pra mim e pra minha irmã. Dizem que é um traço geracional - sempre esse papo de gerações para justificar os atos da anterior e demonizar a atual. Será que só eu não aguento mais ouvir sobre as "diferenças geracionais"?
E quais "mentirinhas" meus pais me falavam? Aquelas que a maioria conta para motivar os seus filhos. Que se eu escolhesse trabalhar com algo que eu amasse o sucesso viria, como se fosse o único resultado possível. E que a recompensa é sempre proporcional ao esforço. Temos também os clássicos "quem trabalha com o que gosta nunca trabalha um dia", e "trabalhar dá um sentido pra vida". Para finalizar tinham as frases de efeito: com o sucesso vem o dinheiro, com o dinheiro vem a segurança e com a segurança vem a felicidade!
E no que deu tanta positividade e incentivo? Me tornei uma pessoa de enorme sucesso financeiro, emocional e espiritual? Uma mulher poderosa, dona de si que arrasa na sua área de trabalho? Uma verdadeira "girlboss" que coloca seu blazer colorido, maquiada e perfumada, pronta para mais um dia de sucesso? Ummm, sinto muito desapontá-los papai e mamãe.
Vamos recapitular a minha trajetória de "sucesso" e vocês poderão ver todas as oportunidades que me foram dadas e como eu consegui desperdiçar todas elas.
Aos 17 anos me formei no ensino médio - em uma das melhores escolas particulares de Belo Horizonte - sem ter a mínima ideia do que eu iria fazer na faculdade, enquanto me via cercada de animados futuros engenheiros, arquitetos, médicos e advogados.
Mas tinha uma coisa que eu gostava muito de explorar em casa: a cozinha! E depois de assistir muita Ana Maria Braga e Gordon Ramsey decidi fazer faculdade de gastronomia. Para São Paulo eu fui, aprendi e conquistei! Conquistei sim, a rua Augusta, os bares da Av. Paulista e os butecos do centro da cidade. Ninguém tinha me contado que cozinheiro trabalha 6 dias na semana 14 horas por dia!
Mas eu tinha os ensinamentos dos meus pais na cabeça, "com o sucesso vem o dinheiro, com o dinheiro vem a segurança". Então fui a luta, foquei no meu objetivo final e de olho no salário do fim do mês....Mentirinha!
Esperar o salário pra quê? Afinal, meu pai estava sempre pronto para me ajudar no que eu precisasse e sucesso para pessoas como eu - classe média e paparicada - não se "reduz" a transferência no fim do mês, e sim ao status que eu merecia, e com certeza iria alcançar! Por desencargo de consciência me sinto na obrigação de reforçar que esta é uma afirmação 100% sarcástica e irônica.
E pra falar a verdade, só de pensar em me esforçar para trabalhar com algo que eu nem gostava tanto, já batia aquela preguiça e muitas vezes eu pedia demissão do emprego da vez só para ficar em casa vendo TV.
Só que um belo dia um milagre aconteceu! Seria este o meu real caminho para o sucesso? Será que eu finalmente, aos 21 anos, descobri o que vai me completar, o que eu nasci para fazer? A partir de agora as palavras dos meus pais seriam confirmadas, como se todas aquelas palavras de amor e incentivo tivessem aberto o caminho para o meu encontro com o destino que eu tanto merecia! Agora eu não terei mais um dia de trabalho, encontrei a minha vocação, eu serei a mais bem sucedida professora de inglês!
Gente, preciso falar. Eu já sabia que era carismática, mas não imaginava que era tanto! Cada sala de aula em que eu entrava todo mundo me amava!! Os alunos são só elogios, os adolescentes querem ser meus melhores amigos, as crianças pequenas acham que eu sou uma delas, os adultos me falam que eu sou cativante! E nas dinâmicas para a sala de aula, eu arrasava! Não tem uma aula chata, não tem um dia igual ao outro, meu inglês é quase perfeito e todos estavam impressionados comigo!! Está bem, eu admito. Todo este sucesso estava só na minha cabeça, e a realidade foi um pouquinho diferente do que eu tinha previsto.
Vocês sabiam que precisa fazer treinamento para ensinar inglês? E que cada escola tem um método específico de ensino? E que para fazer mais do que um salário mínimo você tem que trabalhar em umas três escolas diferentes? E que professor tem que lidar com os pais dos alunos?
Mesmo assim não desisti! Se tinha uma coisa que eu sabia, meus pais me ensinaram desde pequenininha, é que a recompensa é sempre proporcional ao esforço. E tudo ficou claro para mim naquele momento. Para ser reconhecida, e recompensada, como a melhor professora de inglês do Brasil eu só precisava me esforçar um pouco mais do que eu estava inicialmente planejando, e foi exatamente isso que eu fiz!
Concluí todos os cursos chatos, fiz os testes que me pediram e até preparava meus planos de aula com antecedência. Nem eu sabia que era capaz de tanto! Mais uma vez me vejo obrigada a reforçar o tom de ironia deste texto.
Acontece que mesmo com todo o meu esforço as escolas não conseguiam ver que eu era a melhor professora que eles já tiveram! Eu sei o que vocês estão pensando: quanta injustiça! Será que eles ainda não sabiam que eu estava fazendo algo que eu amava? E quando a gente faz algo que ama não devíamos ser recompensadas com o sucesso? Ué, não foi isso que eu ouvi a vida inteira? E sucesso não traz dinheiro? Comecei a suspeitar que algo estava errado nessa história.
Passei os próximos dez anos pulando de uma escola para a outra, procurando aquela que iria reconhecer e me recompensar por todos os meus méritos. Até batalhei por algumas promoções, assim seria mais fácil para os gerentes e CEOs se maravilharem com os meus resultados e o meu sucesso seria ainda maior. Não se engane, eu trabalhei bastante e trabalhei bem, mas pra quê? O dinheiro vinha, mas não o suficiente para ter a minha independência - e manter os meus mimos.
Com o tempo as atividades de sala de aula começaram a ficar monótonas, repetitivas. Os alunos muito parecidos, e as vezes sentia que eles drenavam a minha energia. E o que falar dos queridos chefes, gerentes, coordenadores. Realmente, tirando duas coordenadoras incríveis que eu tive, não aparecia um chefe que realmente me inspirasse admiração ou que fosse um exemplo a ser seguido.
E então, quando fiz 31 anos veio o caos que ninguém esperava, um dos maiores acontecimentos do século XXI que mudou tudo, a pandemia do COVID. Sendo sincera na minha vida diretamente não mudou muita coisa. Tirando o aumento da ansiedade, decidir juntar os trapinhos com o meu namorado de quase dez anos e conquistar e perder o melhor emprego que eu já tive, quase nada mudou.
Ah, e lembra o status patricinha classe média que não precisa de nada porque tenho tudo que quero? Esse aí foi-se definitivamente, como aconteceu com tantas, a crise econômica pegou a minha família de jeito.
E agora, finalmente, vamos chegar na pergunta do título deste texto, após tanto blá blá blá. Acontece que com o recém adquirido desemprego e meu novo regime econômico - não tenham pena de mim, eu apenas tive que parar de pedir Ifood todo dia e passei a comprar roupas caras somente em dias especiais - eu fui obrigada a pensar sobre o que eu queria fazer da minha vida.
Lembram do namorado com quem eu fui morar junto? Ele me ofereceu um caminho, porque ele é um lindo e um fofo. Disse que cuidaria de todas as finanças e eu poderia me encontrar, descobrir do que eu gosto e o que gostaria de fazer com meu dia. O outro caminho seria voltar a dar aula, fazer um dinheiro que cobriria todos os meus gastos e seguir a vida.
Aposto que estão pensando que estou reclamando de barriga cheia, e estão certíssimos! Ai tadinha dela, ela tem uma pessoa que a ama e apoia e uma área de trabalho que está sempre buscando pessoas qualificadas. Mas aqui vem mais um aprendizado: quando temos muitas opções, escolher fica muito mais difícil.
Existe um detalhe que eu preciso explicar antes de continuar esse texto. Quando se é uma pessoa privilegiada não temos acesso apenas a coisas materiais exclusivas, temos acesso a pensamentos exclusivos. Parece papo de maluco, mas não é!
Por exemplo, a primeira opção que excluí do meu futuro foi voltar a dar aula, porque ganhar dinheiro não era a minha prioridade. Viu? Um pensamento que somente pessoas privilegiadas podem ter, e que até hoje me enche de uma certa vergonha, mas que não me impediu de segui-lo. Ah a hipocresia do ser humano, um papo para outro texto quem sabe.
Durante um ano eu não fiz absolutamente nada. Desenvolvi uma grande pena de mim mesma, parei de fazer qualquer coisa que eu não quisesse e conquistei crises constantes de enxaqueca que me deixavam de cama por dias. Nem eu acredito que o meu namorado não me largou, porque se tem uma coisa que eu estava era chata.
E o sentimento de inveja crescia cada vez mais dentro de mim. Mas vamos falar sério, tem coisa que dá mais raiva do que as pessoas seguirem com as suas vidas enquanto você não vê saída nenhuma para a sua? Francamente, tenham o mínimo de companheirismo e empatia com a amiguinha sofredora e sofram também,
Foi aí que o fatídico dia veio, quando tive que tomar uma das maiores decisões da minha vida, e dessa vez eu estou falando sério. Pergunta de pessoa privilegiada, mas vocês sabiam que plano de saúde é caro pra chuchu?
Gente, com 32 anos fui pega de surpresa por esta informação. Acontece que enquanto estava empregada o plano fazia parte dos benefícios, e quando fiquei sem emprego meu pai pagava o meu, mas aí veio a pandemia e vocês já sabem do babado todo.
Quando fui contar para o meu namorado que meu pai ia parar de pagar, achando que ele se ofereceria para assumir mais essa, ele simplesmente disse: beleza, agora vamos ter que casar. E eu fiquei DESESPERADA.
Esqueci de contar que meus pais tiveram um divórcio bem cheio de acontecimentos e nunca mais se falaram, claro que peguei o problema para mim e fiquei com um medo eterno de casamento.
Mas eu precisava do plano de saúde e casei. Dois meses depois eu já estava de mala pronta para mudar de país. Meu - pausa para respirar fundo - marido recebeu uma proposta de trabalho e viemos para os EUA. A parte financeira melhorou de novo - uhul Ifood todo dia! Porém, minha cabeça não podia facilitar e me deixar aproveitar a vida no novo país e é claro que desenvolvi um transtorno de adaptação -juro que não inventei, fui diagnosticada pela psiquiatra.
Agora não tinha como escapar, quando alguém me perguntar o que eu faço eu tenho que ser honesta e responder: sou uma dona de casa. Isso mesmo, todos os dias eu fico em casa limpando, organizando, cuidando dos cachorros, cozinhando, - ok esse um pouco menos, mas sou eu quem sempre limpa a cozinha. Enquanto o meu marido sai para trabalhar.
Aposto que você está pensando, mas ser dona de casa não é vergonha nenhuma, e eu concordo 100%. Tanto que me apresento como uma e tenho muito orgulho quando lavo um banheiro e vejo que ficou cheiroso, quando passo as roupas direitinho, quando limpo a cozinha e vejo a bancada organizada. O problema é que não é a vida que eu quero pra mim.
Hoje vejo que meus pais não se enganaram, sucesso, segurança e estabilidade financeira são objetivos necessários para se viver bem e com dignidade. Mas eles acreditaram, e eu também, em um trajeto falso. Tudo que eles queriam que eu conquistasse eu tenho hoje, mas nada é realmente meu, porque eu me perdi no caminho. Eu queria o sucesso, mas eu nunca aprendi a batalhar por ele. Eu tenho acesso ao dinheiro, mas ele nunca será meu. Eu tenho segurança, mas ela depende de outro.
E o pior de tudo é que hoje eu tenho todo o tempo do mundo, mas nem ideia do que fazer com ele.